09 dezembro, 2012

Minha grande família

......

Há muitas lições que colhemos pela vida. Algumas, carregamos até o fim dos nossos dias, outras, creio que levaremos pela eternidade.

Estava tudo sob controle. Os preparativos haviam saído a tempo, de acordo com o planejado. A louça, cuidadosamente escolhida, ansiava por sair da cristaleira e compor, caprichosamente, a mesa tão merecida. Eu mesma não me continha e não cansava de me sentar no sofá aconchegante, admirando a cristaleira onde o jogo de jantar, recém- saído da caixa, jazia. Era grande a minha expectativa. Amo Natal, uma data que, para mim, tem gosto de aconchego com chuva fininha. A corrida para comprar os enfeites e presentes, a casa cheirando a tempero na véspera, o aroma dos assados saindo do forno, o doce especialmente escolhido para o dia, as roupas bonitas, a mesa harmoniosamente disposta, as feições radiantes durante a ceia, fazem meu coração transbordar de gratidão e alegria. Seria um Natal a cinco, mas, sem dúvida, seria um grande Natal.

Porém, a poucos dias da data, fui surpreendida pela visita de um casal, nos convidando para passarmos o Natal com algumas pessoas da Igreja que, por motivos adversos, não tinham para onde ir. Pelo tom da conversa, compreendi que eles gostariam que o encontro fosse realizado em nossa casa, devido ao espaço que possuíamos.

E eu ali, no sofá aconchegante, atentava para o discurso do casal à minha frente, sentado ao lado da cristaleira, onde o jogo de jantar jazia. Minha mente, pega de surpresa, divagava relutante entre suas palavras, a visão da louça bonita e a imagem do nosso Natal, cuidadosamente planejado, apenas para cinco. Foi quando, de repente, me ocorreu: “E porque não?” Então, eu disse que falaria com meu marido e depois confirmaríamos. À noite, ainda meio reticente, conversamos e ele aceitou o convite. Gostamos de receber pessoas e seria uma oportunidade para experimentarmos um Natal diferente.  Assim,  compramos a ideia, até que chegou o grande dia.

À noitinha, as pessoas foram chegando, meio deslocadas por nos conhecerem tão pouco, mas logo tratamos de fazê-las se sentirem bem. Juntos, preparamos a mesa. O jogo de porcelana para cinco, fora substituído por itens descartáveis, e a mesa foi sendo adornada com pratos simples que destoavam do nosso belo assado, das nozes, das frutas suculentas e das rubras cerejas. Demos início a um amigo secreto à base de CDs e chinelinhos, e depois de uma oração, ceamos. Fora uma noite de Natal inusitada, algo totalmente à parte do que havíamos planejado, que nos fez sair de nós mesmos em direção aos outros.

Pela manhã, nossos filhos acordaram com o cheirinho de um "café de Natal", preparado apenas para nossa família, com direito ao jogo novo de porcelana e algumas surpresinhas. As mesmas pessoas que passaram a noite conosco, voltaram para o almoço e ficamos até à tarde em comunhão.

Ainda trago as impressões do sentimento que me sobreveio, através do tempo, por acolhermos pessoas, praticamente estranhas, em uma data tão íntima. Parei para refletir no quanto tempo gastamos, ao longo do ano, com nossas famílias e quanto tempo teríamos ainda para desfrutarmos, juntos, de boas comemorações. Então, tive a sensação de que fizemos algo bom quando concordamos em recebê-los. Um gesto simples que poupou algumas pessoas de ficarem sozinhas, em uma data que dá margem a tantos sentimentos contraditórios, para os que não têm o aconchego de uma família.

Em especial, lembro-me de uma moça cujo sorriso e olhar de gratidão me marcaram profundamente. É algo que quero ter como um mimo na lembrança nesta noite de Natal, em que ela não estará aqui outra vez. Há oportunidades que são únicas, assim como era aquele sorriso. Não sei nada sobre sua história, mas, sua simplicidade colaborou para abrilhantar aquela comemoração tão singela quanto o menino Jesus na manjedoura que, pela sua singularidade, faz com que os artifícios consumistas engendrados pelos homens, tornem-se irrelevantes. E, naquela noite, certamente, aquela moça refletia a alegria de ter sido acolhida e não ter que passar o Natal com uma triste sensação, atestada pelos fogos, pelas luzinhas pisca-pisca e pelos burburinhos da noite, de que havia muita festa acontecendo apenas do lado de fora. 
E, falando ele ainda à multidão, eis que estavam fora sua mãe e seus irmãos, pretendendo falar-lhe. E disse-lhe alguém: Eis que estão ali fora tua mãe e teus irmãos, que querem falar-te. Ele, porém, respondendo, disse ao que lhe falara: Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos? E, estendendo a sua mão para os seus discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe. (Mateus 12:46-50)
Ao final do dia nos despedimos. Eles nos abraçaram com gratidão, sem suspeitar que a pessoa mais grata naquele Natal, e que havia sido mais agraciada, era eu mesma.

Ira Borges


Nenhum comentário :

Postar um comentário