30 outubro, 2013

A crueza de uma propaganda "mal feita".

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A história de Jesus é reputada em alguns círculos mais céticos como um panfleto para vender uma ideia, ou uma imagem de um homem que sequer existiu, ou se se existiu, não seria nem sombra do que disseram dele.
Uma análise dos fatos porém, dificilmente sustenta este tipo de opinião. Vejamos.

Jesus nasceu judeu. Um povo periférico, de uma terra pequena, sem influência política, com um histórico de sujeição a outros povos e, naquela ocasião, submisso ao poderoso Império Romano.
Dentro dessa nação, nasce Jesus, pobre, de aparência pouco notável, em uma vila também ela, pobre e desprezível, de uma província deslocada do centro de interesses religiosos.

No final da história, Jesus morre. Crucificado.

A vergonha disso para a sociedade de então pode ser compreendida pela repugnância e rejeição que os muçulmanos até hoje têm da simples ideia de que Jesus teria sido crucificado. Para eles, nem mesmo a ideia da ressurreição posterior remediaria o dano moral de uma morte dessas.


E quando Jesus ressuscita, a notícia é dada por…mulheres!!! Algo tão digno de crédito para época quanto discurso de político em véspera de eleição. Realmente, se a história de Jesus fosse fabricada, ela seria tão diferente, tão "certinha", tão enobrecedora, tão digna, tão casada em suas diversas versões, que talvez convencesse muita gente…

A biografia de Jesus é recheada de "constrangimentos biográficos". Basta pegarmos um dos evangelhos para vermos alguns desses "incômodos" na história de Jesus: sua origem humilde, sua amizade com os "párias" da sociedade, a discrepância do seu perfil com aquele que a totalidade dos judeus da época esperavam para um "messias", a discordância aparente entre evangelhos, além de muitos outros aspectos improváveis que, no entanto estão lá.

O próprio discurso de Jesus, dizendo coisas com "eu sou humilde", "sem mim nada podeis fazeis", contraria o que se espera de um "homem sábio típico". Suas atitudes, igualmente, surpreendem aqueles que esperam a imagem esterotipada do "homem iluminado". As respostas que ele dava, não para os religiosos, mas para as pessoas comuns, tais como "estes são minha família", quando foram dizer a ele que sua mãe e irmãos o esperava, ou a aparente indiferença com que tratou a mulher siro-fenícia, não são exatamente as atitudes idealizadas dos homens "bonzinhos-fazedores-de-média" que vemos pelas religiões afora.

No entanto, tudo isso está lá, cruamente registrado. Não há nos evangelhos a menor evidência de que alguém tenha tentado "adoçar" a imagem de Jesus. Isso aconteceu, sim, porém muito depois de escritos os evangelhos. Nas obras renascentistas, que o pintam ora como um bebê, ora como um moribundo. Ou nas narrativas vitorianas, tentando transformá-lo em bom moço e trazê-lo para "dentro da respeitosa sociedade", como observa Philip Yancey. Ou pior ainda, mais recentemente, com a mistura misticoleba de idéias orientais ou humanistas, que tentam tranformar Jesus em um simples cara "bom", um vendedor de auto-ajuda, ou um garoto propaganda mais alinhavado com um escopo o maior possível de religiões.

Não, a história de Jesus tem "defeitos" demais para ter sido inventada.

(A propósito, para quem acha que a história completa de Jesus é muito fabulosa e preferir uma versão sem a 'pirotecnia' dos reis magos, estrelas, e outros eventos estrondosos, é só conferir na própria Bíblia. É a versão do evangelho de Marcos).

Hamilton Furtado

Publicado em Outramente 

09 maio, 2013

O perfume de Cristo

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menino cheirando espigas de trigo

Mal entramos no elevador e, pelo semblante das crianças, eu já sabia exatamente o que se passava na cabecinha dos dois.

Nos entreolhamos e, não demorou para um deles comentar o que todos já estavam pensando: a vizinha de um dos andares abaixo havia acabado de usar o elevador. Aquele perfume, forte e marcante, de uma maneira não propriamente elogiosa, era inconfundível e a associação com aquela pessoa, especificamente, algo inevitável.

Saímos no térreo e seguimos em direção às tarefas do nosso dia. Eu para o trabalho, eles para a escola.
Aquele episódio, no entanto, permaneceu durante um bom tempo apegado aos meus pensamentos, da mesma maneira que o perfume havia impregnado o espaço restrito do elevador muito tempo depois de sua dona ter saído dali. E eu comecei a refletir sobre o assunto.

É interessante como, a partir de um perfume, começamos a delinear um perfil de quem o usa e a fazer toda uma análise de como deve ser a pessoa que passou por lá. Se não gostarmos tanto assim daquele aroma, poderemos tender a ser igualmente rígidos em relação à nossa avaliação daquela pessoa. Não é difícil alguém chegar ao ponto até de, dependendo do ambiente, consider aquele rastro deixado ali uma conduta social inconveniente. Ou seja, o perfume corre o risco de se tornar uma “questão até de caráter”, ou, no mínimo, de educação. É claro que se, por outro lado, ao aspirarmos tal perfume, nossos sensores olfativos transmitirem ao nosso cérebro uma sensação agradável de satisfação, pode ser que nosso conceito sobre aquela pessoa igualmente seja alçado, por gratuita associação, a andares superiores de apreciação.

Isso tudo são impressões que talvez tenhamos por não conhecermos bem a pessoa. Mas, quando a conhecermos, teremos uma visão mais real de quem ela é e o tal perfume passará a ser menos importante por seu aroma e mais por ser uma referência a tudo o que aquela pessoa nos representa. De bom, ou de ruim.

A referência a um odor qualquer nos leva – através das curiosas peculiaridades de nossa memória olfativa – a lembranças de fatos, momentos, experiências, lugares ou pessoas, que imediatamente retornam vívidas em nossa mente, como se estivessem ali presentes naquele instante. É possível até, por conta de um cheiro que nos surpreende, nos recordarmos de coisas que nem lembrávamos mais que havíamos vivenciado.

Paulo, em uma de suas cartas, faz uma analogia comparando pessoas a perfume. Mais exatamente, ele estava dizendo aos coríntios, que na condição de discípulos de Jesus, eles eram o perfume – bom, aliás – de Cristo e, através desta fragância o conhecimento da pessoa dele estava sendo difundido ao redor.

 E graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo, e por meio de nós manifesta em todo o lugar a fragrância do seu conhecimento.
Porque para Deus somos o bom perfume de Cristo, nos que se salvam e nos que se perdem.
(II Coríntios 2:14-15)


Assim como eles, o mesmo vale para nós, que também buscamos ser discípulos de Jesus Cristo e exemplos dele. O que nos leva à seguinte pergunta: que tipo de impressão temos deixado no ambiente em que estamos? Estamos difundindo a fragância do conhecimento de Jesus Cristo, ou será que fica algum outro tipo de cheiro? O rastro do odor que deixarmos permanecerá por muito tempo ainda depois de nos ausentarmos. A que tipo de lembrança ele irá remeter?

Hamilton Furtado
 

28 março, 2013

Passagem

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Cordeiro
 E aquele sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes; vendo eu sangue, passarei por cima de vós, e não haverá entre vós praga de mortandade, quando eu ferir a terra do Egito
Êxodo 12:13


Páscoa. Para os antigos hebreus, passagem. A saída do Egito, por mar e deserto, solenemente celebrada em memória da liberdade de toda uma nação.

Deus ali ordenara um cordeiro. Não um qualquer. Deveria ser sem mancha, macho, de um ano, separado.
O cordeiro então, sacrificado, seu sangue, derramado.

E, Deus, passando pela terra do Egito,  preservaria todo aquele que tivesse em sua porta a marca do sangue do cordeiro.

Páscoa. Para nós, os cristãos, ressurreição!
Jesus na cruz, por nós se fazendo sacrifício definitivo, oferecendo a nós também a liberdade.

Celebramos a Páscoa. Não a do coelho, que se derrete no calor dos atritos da vida.
Celebramos a verdadeira Páscoa. A do Cordeiro cujo sangue traz a vida pela Ressurreição.
Aquele que tira o pecado do mundo:

Nosso amado Salvador, Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus! João 1:29


Hamilton Furtado
Páscoa, 1998



 

20 janeiro, 2013

O caráter de Deus

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Há algumas impressões sobre a fé cristã que se tornaram amplamente disseminadas no imaginário dos não-cristão, em certa medida por responsabilidade de uma boa parcela dos próprios cristãos, atráves da promoção de determinadas teologias que se tornaram mais populares ou mais acessíveis, mas que em uma análise minimamente atenta, não encontram o necessário respaldo bíblico de sustentação.
Destaca-se nesse contexto a noção de que Deus é um agente a ser acionado pela fé para atender às demandas dos homens bons sempre que solicitado. Deus aí é quase um gênio da lâmpada a atender desejos. Se Deus não agiu, foi porque a fé da pessoa não atingiu o nível satisfatório para movê-lo de sua posição de mero observador para a de distribuidor de bênçãos.
Por conta disso, surgem também justificativas necessárias para quando o "truque" falha, quando o resultado esperado não é alcançado: Foi falta de fé, foi castigo.

É facilmente perceptível, simplesmente ao ler a Bíblia, o quanto esta "mágica" está distante do discurso bíblico. Sim, porque é algo mais perto da feitiçaria, que busca dominar as forças naturais e sobrenaturais para conseguir alcançar objetivos. Basta observar as palavras do próprio Jesus, às portas da crucificação: "...se possível afasta de mim este cálice, mas que seja feita a SUA vontade" (Mc. 14:36, Lc 22:42) , ou quando o apóstolo Paulo fala sobre o tal do espinho na carne com o qual ele se debatia e sobre o qual disse "...acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim. e disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza." (II Cor.12:9)
São apenas dois exemplos de casos em que um pedido não foi atendido e não podemos dizer que houve falta de fé.

É verdade que a Bíblia está repleta também de passagens que falam coisas como "...se tiverdes fé e não duvidardes...", ou "...tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis..."
Porém, algo importante é deixado de lado, que é mencionado em outro trecho: "Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites." (Tiago 4:3)
Quer dizer, a prática da fé pressupõe também uma sintonia com a vontade de Deus. Deus não pode e não vai entrar em contradição consigo mesmo para satisfazer as mais loucas expectativas que um ser humano é capaz de ter.

É verdade também que, por experiência própria, todos nós poderemos nos lembrar de algo não atendido por Deus, que aos nossos olhos estaria longe de ser algo fútil, ou desnecessário. Porém, o ponto aqui é que o relacionamento com Deus, conforme proposto na escritura, vai muito além de uma experiência baseada no pedir e receber, mas em um vínculo crescente de confiança e sintonia com o caráter pessoal deste Deus.

Por isso, também, temos que ter cuidado com explicações simplórias que dizem que Deus não deu por falta de fé, ou por castigo. A Bíblia diz sobre o caráter de Deus: "...para que sejais filhos do Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos." (Mateus 5:45)  Deus, portanto, pode muito bem estar inclusive proporcionando coisas boas para quem não merece, não para endossar o que estas pessoas fazem, mas justamente para esta pessoa, quem sabe, finalmente ter um vislumbre da bondade divina ou talvez alguns anos mais para que repense alguns de seus valores.

Nesse contexto, a fé à luz da Bíblia, deixa portanto de ter aquele estereótipo de ser um poder de mover objetos, ou de pensamento positivo, uma coisa quase mágica para fazer "Deus trabalhar para nós" e se torna algo totalmente consistente com uma confiança que se tem no caráter desse Deus. É a certeza do controle e das melhores intenções dele em tudo, apesar de tudo e apesar das aparências.

Como em uma ilustração que me ocorreu certa vez, sobre a fé no caráter de Deus:

"A fé não é o que te faz colocar a família no carro e ir à praia
num dia de chuva, na certeza de encontrar o Sol por lá.
Fé é o que te dá a certeza de que o mau tempo não será
suficiente para estragar o momento que Deus preparou para você ali."
Confiar no caráter de Deus é mais do que uma busca por realizar desejos e se livrar de incômodos existenciais. Confiar no caráter de Deus é acreditar em um Deus que se relaciona de forma prática e contínua com o homem. É acreditar que Deus tem prazer em atender os anseios do coração humano, mas que também é soberano na sua vontade e esta soberania se manifesta no que é o melhor para nós, que Ele nunca irá nos deixar em falta, nunca irá nos trair e nunca irá nos decepcionar.

"Conheçamos e prossigamos em conhecer o SENHOR". (Oséias 6:3)


Hamilton Furtado